domingo, 15 de fevereiro de 2009

A insustentável leveza do ser


Ela tentava se ver através dos próprio corpo. Por isso, passava longos momentos diante do espelho. E como temia ser surpreendida pela mãe, esse olhares traziam a marca de um vício secreto. Não era a vaidade que atraía para o espelho, mas o espanto de se descobrir nele. Esquecia que tinha diante dos olhos o painel dos mecanismos corporais. Acreditava ver sua alma se revelando para ela sob os traços do rosto. Esquecia que o nariz é a extremidade de um tubo que leva ao ar aos pulmões. Via nela a expressão fiel de sua natureza. Contemplava-se demoradamente, e o que a contrariava às vezes era encontrar em seu rosto alguns traços da mãe. Então, olhava-se mais obstinadamente e dirigia sua vontade para se abstrair da fisionomia materna, fazer dela tábua rasa e só deixar subsistir em seus rosto aquilo que era ela mesma. Quando conseguia, era um momento inebriante: a alma subia à superfície do corpo, semelhante à tripulação que se lança do vento do navio e invade o convés agitando os traços e cantando em direção ao céu.

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